sexta-feira, 27 de junho de 2008

LUTA!

Retirado do site:
http://www.universia.com.br/html/materia/materia_bbfjh.html
Combatendo a impunidade
Prevenção contra os crimes e a agilidade nas punições são alternativas

Quem assistiu ao filme Minority Report estrelado por Tom Cruise, em que era possível prender os assassinos antes mesmo que seus crimes fossem cometidos, pode até pensar que não seria nada mal implementar um sistema como esse para combater a criminalidade e acabar com a impunidade no Brasil. Especialistas acreditam, porém, que não é necessário ir tão longe e idealizar um cenário fantástico como o do romance de Philip K. Dick, retratado pelo cineasta Steven Spielberg, para resolver tal questão. Eles defendem que, na prática, é possível promover mudanças significativas com uma dose de boa vontade política, mais do que moderníssimas tecnologias.
O professor de Direito Penal da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) Marcelo Peruchin, revela que, hoje, se fosse necessário destacar o maior problema que contribui para a existência, o aumento e a perpetuação da impunidade seria este a lentidão do sistema penal. "Acredito que, em alguns casos, a legislação permite que a impunidade aconteça, mas a grande questão é que a lentidão nos julgamentos dos processos e de seus recursos é a grande responsável pela sensação de impunidade que toma conta da população", diz.

Ele acredita que a justiça está intimamente ligada à rapidez. E, portanto, casos como o do jornalista Pimenta Neves, e da própria Suzane Richtoffen, cuja demora para o julgamento é a principal característica, inevitavelmente, conferem a sensação de impunidade. O professor da disciplina de crime e sociedade do curso de Direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Theo Dias, concorda com tal idéia. "Fundamentalmente, o problema no Brasil é o próprio sistema de justiça, ou seja, a forma como as leis são aplicadas. Se ocorrem melhorias importantes no âmbito legislativo e elas não forem adequadamente cumpridas e rapidamente empregadas, geram desconfiança nas instituições judiciais", diz.
Dias, acrescenta que, no Brasil, há uma série de demandas que não são absorvidas pelo sistema de justiça, não só na área penal como na cível. A partir do momento que o sistema não dá conta destas demandas, se gera um sentimento de desilusão na população. Tal comportamento é acentuado com os populares crimes de colarinho branco. Logo, se crimes como esses, graves e contra o patrimônio, "acabam em pizza" fica difícil do povo acreditar que também será assim com os crimes menores. "O povo sabe que aquele que tem um bom advogado dificilmente terá uma punição mais severa. No máximo, ficará preso alguns dias, mas logo terá o direito de responder inquérito em liberdade", lamenta o cientista político da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), Ricardo Ismael. Para ele, a punição exemplar deste tipo de crime, assim como acontece em países como Alemanha e Inglaterra, seria a cassação dos direitos políticos do acusado, bem como a aplicação de multas sobre seu patrimônio, além da obrigatoriedade da devolução do dinheiro público.
Para especialistas, uma das alternativas para diminuir a lentidão dos procesos seria ampliar algo que já vem sendo desenvolvido no Brasil, mas que ainda é embrionário: a criação de centros de justiça em bairros afastados que possam resolver pequenas pendências como furtos e outras trangressões menores. "Esta seria uma forma de garantir mais agilidade à justiça e desafogar o judiciário, além de mostrar a sociedade carente que, de alguma forma, a justiça está próxima da comunidade para fazer valer os direitos do cidadão", lembra Dias.
Uma destas iniciativas é a implantação dos CICs (Centro Integrado da Cidadania), programa da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo, que leva à população de baixa renda uma série de serviços públicos e oferece mecanismos para a solução de pequenos conflitos e cursos de sensibilização para o exercício da cidadania. O CIC oferece orientação jurídica e social gratuita, além de emissão de cédulas de identidade, carteira de trabalho e atestado de antecedentes. Também é possível obter informações sobre direito do consumidor nos postos do Procon e sobre os serviços oferecidos pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano). O CIC promove, ainda, palestras para as lideranças comunitárias que buscam alternativas para a resolução de seus problemas. Atualmente, o programa mantém postos de atendimento nas zonas norte, sul, leste e oeste da Grande São Paulo e nos municípios de Ferraz de Vasconcelos e Francisco Morato.
Crimes e prisões
A impunidade em relação aos culpados de crimes hediondos é outra questão que está muito presente na mente do brasileiro. Embora estatísticas apontem que estes são os crimes mais investigados pela polícia, em muitos casos, quem espera que os culpados paguem pelo que fizeram e que a justiça seja feita, vão se decepcionar. O exemplo clássico da impunidade no Brasil e de como "o rico tem vantagens em detrimento do pobre" é o caso do juiz Pedro Percy Barbosa de Araújo, condenado a 16 anos de prisão pela morte do vigilante José Renato Coelho Rodrigues, em fevereiro deste ano. Ele acaba de receber uma aposentadoria no valor de R$ 16.000 por mês, quando a pensão que terá de pagar para a família da vítima é de R$ 1.500 mensais. "Em nenhum momento se questionou o fato da conduta do juiz ser determinante para o cancelamento deste benefício", questiona Ismael.
O professor da FGV concorda que aquilo que angustia o brasileiro é que nem todos acusados tem seus direitos processuais reconhecidos. "O problema não é que determinado preso conseguiu responder inquérito em liberdade, mas que isso não é aplicado a outras pessoas que praticaram o mesmo crime", diz. E isso se acentua na comunidade carente, por isso, uma pessoa humilde vai para a cadeia e, por conta da lentidão e da deficiência da defensoria pública, este cidadão não tem as mesmas oportunidades que um cidadão munido de bons advogados", friza.
Vale lembrar que, no caso de crimes violentos, ao contrário dos crimes de colarinho branco, os especialistas em Direito Penal defendem o cárcere como punição, mas também, ressaltam a importância de se investir em ressociabilização. "Quem deve ir para a cadeia é aquele cidadão que cometeu o assalto seguido de morte, o estupro seguido de morte e o assassinato propriamente dito", explica Peruchin. Isto porque, não adianta se construir mais cadeias e mandar todos os culpados para lá. Para se ter uma idéia, no final de 2004, tínhamos cerca de 336 mil presos. No ritmo em que prendemos, estima-se que, em 2007, cheguemos a 500 mil. E não é preciso ter bola de cristal para saber que o sistema prisional não irá aguentar. Hoje, são recorrentes os problemas com as superlotações e rebeliões por conta das péssimas condições de vida dentro dos presídios. A última que se notícia foi a do presídio de Araraquara, onde a quantidade de agentes penitenciários, nem de longe, suporta a quantidade de criminosos confinados.

Frente à esta realidade, é unanimidade entre os especialistas entrevistados a importância de se investir em penas alternativas para desafogar o sistema prisional e, também, de fazer com que a justiça consiga, mesmo que em longo prazo, encontrar uma solução para fazer com que as cadeias não sirvam apenas como uma forma de punição ou sofrimento, mas que possam realmente cumprir a função de reabilitar os presos e devolvê-los para a socidade. "Já estamos em uma enrascada. Se não pensarmos nisso logo, em um futuro muito próximo a realidade no Brasil vai ser extremamente violenta", revela Ismael.
Um dos exemplos citados pelo cientista político para chegar a esta conclusão foi o depoimento dado pelo menor que confessou ter sido o responsável pelo recente assassinato de um dos integrantes da banda "Detonautas", no Rio de Janeiro. Ao conceder entrevista, o menor afirmou que voltará a roubar e, se necessário matar, porque ele sabe que ao sair da cadeia, a probabilidade de conseguir um bom emprego é mínima, uma vez que não terá nenhum tipo de reabilitação dentro da prisão e, ao deixar o cárcere, irá sofrer com a discriminação. "Ora, se não dermos conta de garantir oportunidade de emprego para nossos jovens, não teremos como reverter o quadro da violência", alerta Ismael. Em recente pesquisa feita pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) quase metade dos jovens de 19 a 26 anos estão desempregados.
Tolerância zero no Brasil
Quando questionados sobre a aplicabilidade do esquema de tolerância zero implantando em Nova York pelo prefeito conservador Rudolph Giuliani, os especialistas discordam da relevância de tal modelo no Brasil. Em primeiro lugar, porque defendem que viver em sociedade pressupõe uma certa tolerância. Em segundo lugar, porque tal esquema pode dar margem para a prisão das minorias, em especial negros e imigrantes, questões que foram levantadas na Europa quando houve a implantação do modelo em Nova Iorque. "A total intolerância não irá levar a sociedade a diminuir sua criminalidade", acredita Peruchin. "Não há dados estatísticos confiáveis de que tal modelo realmente funcione", acrescenta Dias.
O professor da FGV lembra ainda que, nos presídios, as atuais rebeliões acontecem quando se há tentativa de uma maior repressão, ou controle dos presos. "Não dá para tratar os 130 mil presos como se todos fossem membros do PCC. Há pessoas ali que devem ter tratamento diferente, oportunidades diferentes. Endurecer de forma igualitária só vai gerar mais revolta", diz. Ao mesmo tempo, Dias lembra que, se acontece este tipo de manifestação, a sociedade tem que raciocinar com menos emoção e perceber que de alguma forma as autoridades estão fazendo algo para coibir a ação dos bandidos. "É preciso reconhecer os esforços e também exigir que se chegue a uma solução que sirva para a população carcerária e também para a população em geral", declara.